O Citigroup determinou que seus 175 mil funcionários em 80 países completem um treinamento obrigatório em inteligência artificial nos próximos 60 dias.
A medida não representa apenas uma iniciativa isolada de um grande banco americano, mas sinaliza uma transformação nas exigências do mercado de trabalho — que já atinge as empresas brasileiras.
O programa do Citi foca especificamente em engenharia de prompts, ensinando os funcionários a formular comandos precisos para as ferramentas de IA. Segundo Tim Ryan, chefe de tecnologia do banco, os colaboradores já inseriram mais de 6,5 milhões de prompts nas ferramentas internas apenas em 2024.
O treinamento transforma tarefas que antes levavam horas em processos concluídos em minutos, conforme o comunicado interno enviado aos funcionários.
No Brasil, os dados recentes mostram que quase metade da população já integrou as ferramentas de inteligência artificial em suas rotinas diárias. A pesquisa conduzida pela Conversion em parceria com a ESPM revelou que 49,7% dos brasileiros utilizam IA regularmente, com 86,4% fazendo uso ocasional dessas tecnologias. Esses números representam apenas o início de uma curva de adoção que cresce exponencialmente.
A corrida pela capacitação em massa
O movimento do Citi não acontece isoladamente. O JPMorgan Chase tornou o treinamento em IA parte obrigatória do processo de integração de novos funcionários desde 2024. O Wells Fargo enviou 4 mil colaboradores para o programa de IA centrada no humano de Stanford. O Bank of America e o Goldman Sachs desenvolveram programas internos similares, cada um com dezenas de milhares de participantes.
Essa corrida pela capacitação reflete uma realidade. Segundo a pesquisa da PwC, 69% dos CEOs globais acreditam que a IA exigirá que a maior parte de sua força de trabalho desenvolva novas competências. O McKinsey Global Institute projeta que 14% dos trabalhadores globais precisarão mudar completamente de carreira até 2030 devido ao impacto da inteligência artificial.
No contexto brasileiro, o cenário é ainda mais urgente. Os dados do IBGE mostram que o uso de IA em empresas industriais cresceu 163% entre 2022 e 2024, saltando de 1.619 para 4.261 companhias. Atualmente, 41,9% das empresas brasileiras já utilizam alguma forma de inteligência artificial em seus processos.
O risco do novo analfabetismo digital
A capacidade de interagir efetivamente com os sistemas de IA está se tornando uma competência básica, comparável à alfabetização digital dos anos 2000. Assim como os funcionários que não dominavam computadores ou excel ficaram para trás há duas décadas — os profissionais sem fluência em IA enfrentarão exclusão similar nos próximos anos.
O conceito de “prompt engineering” exemplifica essa mudança. Trata-se da habilidade de formular instruções precisas para os sistemas de IA gerarem resultados úteis. Um prompt mal formulado pode resultar em informações genéricas ou incorretas.
Por outro lado, um prompt bem estruturado pode economizar horas de trabalho e gerar insights valiosos para as decisões estratégicas. As empresas brasileiras já sentem essa pressão. A pesquisa da Bain & Company indica que 67% das companhias nacionais consideram a IA prioridade estratégica para 2025.
No entanto, apenas 9% investem consistentemente em capacitação de funcionários para uso dessas ferramentas, segundo o levantamento da Amcham Brasil.
Democratização do conhecimento
O treinamento obrigatório em IA representa uma democratização forçada do conhecimento tecnológico dentro das organizações. Anteriormente, as competências em IA ficavam restritas aos departamentos técnicos. Agora, desde os assistentes administrativos até os executivos seniores precisam dominar essas ferramentas.
Essa democratização tem implicações importantes. Os funcionários de áreas tradicionalmente não técnicas, como recursos humanos, marketing e finanças, descobrem que podem automatizar tarefas repetitivas e focar em atividades estratégicas. Um analista financeiro que antes gastava dias compilando relatórios pode agora gerar análises complexas em horas.
O caso do Citi ilustra essa transformação. O banco não está apenas treinando seus desenvolvedores ou cientistas de dados. Os 175 mil funcionários incluem caixas, gerentes de relacionamento, analistas de crédito e profissionais de compliance. Todos precisam entender como a IA pode otimizar seu trabalho específico.
O custo da inação
Os profissionais e as empresas que resistirem a essa transformação enfrentarão consequências graves. Os estudos indicam que as funções que exigem competências em IA já pagam salários em média 25% superiores às posições equivalentes sem essa exigência. Essa diferença tende a aumentar conforme a tecnologia se torna mais presente.
Para as empresas, o custo da inação é ainda maior. As organizações que não capacitarem suas equipes perderão competitividade rapidamente. Os concorrentes com funcionários fluentes em IA produzirão mais, com maior qualidade e menor custo. A diferença de produtividade pode determinar quais empresas sobreviverão à próxima década.
O mercado brasileiro já mostra sinais dessa divisão. As empresas que adotaram IA sistematicamente reportam ganhos de produtividade entre 20% e 40%, segundo os dados da AWS. Enquanto isso, as companhias sem estratégia clara de IA lutam para manter as margens operacionais em setores cada vez mais competitivos.
O futuro já chegou
A decisão do Citi de tornar obrigatório o treinamento em IA para todos os funcionários não é uma tendência futura. É a realidade presente que se expandirá rapidamente para todos os setores e geografias. No Brasil, onde quase metade da população já usa IA diariamente, a pressão por capacitação profissional só aumentará.
Os profissionais que investirem agora em desenvolver competências em IA garantirão relevância no mercado de trabalho dos próximos anos. Aqueles que ignorarem essa transformação correm o risco de obsolescência profissional acelerada. A escolha entre adaptar-se ou ficar para trás nunca foi tão clara.
As empresas brasileiras têm diante de si uma decisão importante. Podem seguir o exemplo de instituições como o Citi e investir massivamente na capacitação de suas equipes. Ou podem esperar que a pressão competitiva force mudanças tardias e potencialmente insuficientes. No ritmo atual de transformação tecnológica, esperar pode significar perder definitivamente o trem da história.