O Departamento de Justiça dos Estados Unidos iniciou nesta segunda-feira (23/09) a fase de remédios do processo antitruste contra o Google.
O caso representa o mais recente capítulo na batalha jurídica contra as práticas monopolísticas da gigante tecnológica — com potenciais impactos significativos para o mercado global de publicidade digital.
A decisão judicial, que será tomada pela juíza Leonie M. Brinkema no Tribunal Distrital de Alexandria, na Virgínia, pode alterar fundamentalmente o ecossistema publicitário online. O Google Ad Manager, que combina o servidor de anúncios DFP e a exchange AdX, controla aproximadamente 80% do mercado de servidores de anúncios para publishers, segundo dados da indústria.
O processo atual difere dos casos antitruste anteriores contra o Google, focando especificamente na infraestrutura de tecnologia publicitária. Enquanto o caso de busca, decidido no começo de setembro de 2025, resultou em penalidades mais brandas — como compartilhamento de dados com concorrentes.
Contexto jurídico e precedentes históricos
A trajetória antitruste do Google nos últimos anos revela uma escalada progressiva nas ações regulatórias. Em 2023, o DOJ obteve vitória parcial no caso de busca, estabelecendo que a empresa mantinha monopólio ilegal no mercado de pesquisas online. Contudo, a decisão de setembro de 2025 evitou medidas mais drásticas, como a venda forçada do navegador Chrome.
O caso atual baseia-se na decisão de abril de 2024, quando a juíza Brinkema determinou que o Google violou a Lei Sherman ao monopolizar os mercados de servidor de anúncios para publishers e trocas de anúncios. A magistrada identificou práticas anticompetitivas na vinculação forçada entre o DFP e o AdX, criando barreiras artificiais à concorrência.
Diferentemente do processo de busca, onde o Google argumentou superioridade técnica, o caso de ad tech envolve questões mais complexas sobre integração vertical e conflitos de interesse. A empresa atua simultaneamente como intermediária entre anunciantes e publishers, controlando tanto a oferta quanto a demanda no mercado publicitário.
Propostas divergentes e implicações técnicas
O DOJ solicita mudanças estruturais que incluem a venda do AdX e possivelmente do DFP, agora integrados no Google Ad Manager. A proposta governamental visa quebrar a integração vertical que permite ao Google controlar múltiplos pontos da cadeia publicitária, desde a compra até a veiculação de anúncios.
Em contrapartida, o Google propõe soluções comportamentais focadas em interoperabilidade. A empresa sugere disponibilizar lances em tempo real do AdX para servidores de anúncios concorrentes e eliminar as Unified Pricing Rules para display na web aberta. Essa abordagem manteria a estrutura corporativa atual, mas criaria maior abertura técnica.
A diferença entre as propostas reflete filosofias distintas sobre regulação antitruste. As mudanças estruturais buscam alterar permanentemente a arquitetura de mercado, enquanto as soluções comportamentais dependem de monitoramento contínuo e podem ser revertidas ou contornadas ao longo do tempo.
Impactos econômicos para anunciantes e publishers
A fragmentação do Google Ad Manager provavelmente resultará em aumento dos custos operacionais para participantes do mercado publicitário. Publishers que atualmente utilizam a plataforma integrada precisarão gerenciar múltiplos fornecedores, aumentando a complexidade técnica e os custos de transação.
Para anunciantes, a perda de eficiência de escala pode elevar os preços dos anúncios. O Google Ad Manager processa bilhões de leilões diários, e a divisão dessa infraestrutura pode reduzir a liquidez e aumentar os spreads entre oferta e demanda. Estudos da indústria sugerem que os custos de mídia paga podem subir entre 10% e 20% em cenários de maior fragmentação.
O mercado brasileiro, que movimentou R$37,9 bilhões em publicidade digital em 2024 segundo dados do setor, enfrentará impactos proporcionais. Publishers locais que dependem do Google Ad Manager para monetização de inventário precisarão avaliar alternativas tecnológicas, potencialmente menos eficientes que a solução integrada atual.
Perspectivas de implementação e recursos
O Google já anunciou intenção de recorrer da decisão de responsabilidade, o que pode atrasar qualquer implementação de remédios por anos. O processo de apelação seguirá para o Tribunal de Apelações do Circuito DC, conhecido por decisões favoráveis a argumentos de eficiência econômica em casos antitruste.
A complexidade técnica da separação do Google Ad Manager apresenta desafios adicionais. A infraestrutura integrada desenvolvida ao longo de décadas não pode ser facilmente dividida sem impactos operacionais significativos. A migração de dados, contratos e sistemas exigirá período de transição prolongado.
Precedentes históricos sugerem que desmembramentos de empresas tecnológicas raramente ocorrem conforme planejado inicialmente. O caso AT&T nos anos 1980 resultou em fragmentação que foi posteriormente revertida através de fusões. A indústria tecnológica atual apresenta complexidades ainda maiores devido à interconexão de sistemas digitais.
Comparação com casos antitruste anteriores
O julgamento atual difere substancialmente dos processos anteriores contra o Google em escopo e potenciais consequências. O caso de busca focou em contratos de exclusividade com fabricantes de dispositivos, resultando em penalidades relativamente brandas como compartilhamento de dados com concorrentes.
O processo de ad tech, por outro lado, questiona a própria estrutura de negócios do Google na publicidade digital. A empresa controla aproximadamente 28% da receita global de publicidade digital, segundo estimativas da indústria, com o Ad Manager representando parcela significativa dessa participação.
A comparação com o caso Microsoft dos anos 1990 revela paralelos interessantes. Assim como a Microsoft foi acusada de usar o Windows para favorecer o Internet Explorer, o Google é acusado de usar o DFP para direcionar tráfego para o AdX. Contudo, o mercado atual apresenta maior complexidade técnica e global.
Cenários futuros e adaptações de mercado
Independentemente do resultado judicial, o mercado publicitário digital já demonstra sinais de adaptação. Plataformas alternativas como The Trade Desk e Amazon DSP expandiram participação de mercado, oferecendo opções aos anunciantes preocupados com concentração excessiva.
Publishers brasileiros podem se beneficiar de maior diversificação tecnológica, mas enfrentarão custos de transição significativos. A migração de sistemas integrados para soluções fragmentadas exigirá investimentos em tecnologia e treinamento de equipes.
O desenvolvimento de padrões abertos para publicidade programática pode acelerar a pressão regulatória. Iniciativas como o Prebid.org já oferecem alternativas ao ecossistema fechado do Google, mas ainda carecem da escala e eficiência da solução integrada.
A decisão final do tribunal, esperada para os próximos meses, definirá não apenas o futuro do Google Ad Manager, mas estabelecerá precedentes para regulação antitruste na era digital. O caso representa teste crucial para a capacidade dos reguladores de efetivamente alterar estruturas de mercado consolidadas na economia digital.