O Google reconheceu oficialmente em documento judicial que a “web aberta já está em rápido declínio”, contradizendo declarações de seus principais executivos feitas meses antes.
A admissão, contida em petição protocolada no último dia 5 de setembro, na corte federal americana, expõe inconsistências na comunicação da empresa, Com isso, levantando questões sobre sua transparência com investidores e o mercado.
O documento, parte da defesa antitruste da empresa, contrasta diretamente com declarações do CEO Sundar Pichai, que em maio afirmou que as publicações web não estavam morrendo. Nick Fox, vice-presidente de Busca do Google, reforçou na mesma época que “a web está prosperando”.
A contradição sugere uma estratégia comunicacional fragmentada ou, alternativamente, uma mudança radical na avaliação interna da empresa sobre o estado do ecossistema digital. A revelação ganha relevância técnica quando analisada sob a perspectiva dos dados de mercado.
Estudos recentes da Digital Content Next mostram que o tráfego de referência do Google Search para publishers premium caiu 10% em apenas oito semanas, enquanto as AI Overviews da empresa causaram redução de 25% no tráfego de publishers. Esses números corroboram tecnicamente a afirmação judicial do Google sobre o declínio da web aberta.
Implicações técnicas do declínio da web aberta
O termo “web aberta” refere-se ao ecossistema descentralizado onde publishers independentes criam conteúdo e monetizam através de publicidade. O declínio desse modelo tem implicações estruturais para a arquitetura da internet.
Quando o Google admite que esse ecossistema está em “rápido declínio”, reconhece implicitamente que sua própria estratégia de AI está canibalizando o modelo de negócios que sustentou a web por décadas. O que é um problema.
Os dados revelam que o Google está redirecionando 90% da receita publicitária de publishers para suas próprias propriedades. Essa migração representa uma mudança fundamental na distribuição de valor econômico na internet, concentrando receitas em plataformas proprietárias em detrimento de sites independentes.
O fenômeno cria um paradoxo: o Google depende do conteúdo produzido por publishers para treinar seus modelos de IA. Porém, simultaneamente reduz o incentivo econômico para que esses publishers continuem produzindo conteúdo original.
A questão central está na sustentabilidade do modelo. Se publishers perdem tráfego e receita, a produção de conteúdo original tende a diminuir. Contudo, os sistemas de IA do Google necessitam de conteúdo fresco e diversificado para manter relevância e precisão. Essa dependência cria uma tensão estrutural que pode comprometer a qualidade dos resultados de busca a longo prazo.
Estratégias defensivas contra a ascensão da OpenAI
A admissão sobre o declínio da web aberta deve ser contextualizada dentro da crescente pressão competitiva exercida pela OpenAI. A empresa de Sam Altman tem adotado uma abordagem agressiva para dominar o mercado de busca, lançando o SearchGPT e desenvolvendo um navegador próprio. Essas iniciativas representam uma ameaça direta ao monopólio do Google no mercado de busca.
As estratégias do Google para responder a essa ameaça têm sido consistentemente reativas. A implementação acelerada das AI Overviews, por exemplo, foi uma resposta direta ao sucesso do ChatGPT em fornecer respostas diretas sem necessidade de cliques. Porém, essa estratégia defensiva tem consequências não intencionais: reduz o tráfego para publishers, enfraquecendo o ecossistema que alimenta o próprio Google com conteúdo.
A postura defensiva também se manifesta na velocidade de implementação de recursos de IA. Diferentemente de sua abordagem histórica de testes graduais, o Google tem lançado funcionalidades de IA de forma mais agressiva, priorizando velocidade sobre refinamento. Essa urgência reflete a percepção interna de que a janela de oportunidade para manter a dominância no mercado de busca está se estreitando.
Contradições estratégicas e questões de transparência
A discrepância entre declarações públicas e documentos judiciais levanta questões sobre a transparência corporativa do Google. Em contextos regulatórios, a empresa admite problemas estruturais que nega publicamente. Essa dualidade pode ser interpretada como estratégia jurídica para evitar desmembramento antitruste, mas também sugere inconsistência na avaliação interna dos próprios dados.
A contradição é particularmente problemática considerando o impacto nas decisões de investidores e parceiros. Publishers que baseiam estratégias de longo prazo em declarações públicas do Google podem estar operando com informações incompletas ou deliberadamente otimistas. A admissão judicial sobre o declínio da web aberta deveria, tecnicamente, ter sido comunicada anteriormente ao mercado se refletisse avaliação genuína da empresa.
O padrão de comunicação dual também se estende a outras áreas. Enquanto o Google promove publicamente a importância da diversidade de fontes de informação, seus algoritmos de IA concentram cada vez mais respostas em suas próprias propriedades. Essa concentração reduz a exposição dos usuários a diferentes perspectivas e fontes, contrariando o discurso oficial sobre pluralidade informacional.
Necessidade de mudanças estratégicas no ecossistema digital
O reconhecimento oficial do declínio da web aberta exige uma reavaliação estratégica de todos os atores do ecossistema digital. Publishers precisam diversificar fontes de tráfego e desenvolver relacionamentos diretos com audiências, reduzindo a dependência de plataformas intermediárias. A estratégia de construção de audiência própria torna-se crítica para a sustentabilidade econômica.
A otimização para mecanismos de busca deve evoluir para incluir otimização para sistemas de IA, considerando como conteúdo é processado e apresentado em formatos de resposta direta. A mudança também afeta a estratégia de criação de conteúdo.
Com sistemas de IA extraindo informações sem gerar cliques, o valor do conteúdo precisa ser redefinido. Conteúdos que geram engajamento direto e conversões internas ganham importância relativa sobre aqueles otimizados apenas para ranqueamento em buscas tradicionais.
O cenário demanda ainda maior transparência das plataformas sobre mudanças algorítmicas e suas implicações econômicas. A sustentabilidade do ecossistema digital depende de alinhamento entre incentivos econômicos de plataformas e criadores de conteúdo, equilíbrio que atualmente está comprometido pela concentração de valor em propriedades das próprias plataformas.