A OpenAI cancelou um teste que exibia mensagens promocionais no ChatGPT. Assinantes dos planos Plus e Pro, relataram sugestões de apps como Peloton e Target aparecendo em conversas sem qualquer relação com os temas discutidos.
Mark Chen, diretor de pesquisa da OpenAI, admitiu publicamente que a companhia “falhou” e desativou as mensagens. O episódio expõe o dilema da OpenAI entre a pressão por faturamento e a preservação da confiança dos usuários, elemento que diferencia o ChatGPT de buscadores convencionais e outros buscadores de IA.
Além disso, o recuo coincide com a declaração de “código vermelho” interno, onde Sam Altman pausou investimentos em áreas como publicidade para focar exclusivamente na melhoria do ChatGPT. A empresa enfrenta competição do Google Gemini e do Claude da Anthropic, e não pode permitir-se erros que comprometam sua posição no mercado.
Com avaliação de US$300 bilhões e custos operacionais de US$7 bilhões anuais, a OpenAI precisa diversificar o faturamento além das assinaturas. Porém, o teste demonstra que a monetização via conteúdo promocional pode prejudicar a plataforma construída sobre a promessa de neutralidade.
O que aconteceu com as mensagens promocionais
Os usuários do ChatGPT começaram a reportar mensagens sugerindo apps de terceiros em contextos desconexos das conversas. Em um caso documentado, uma discussão sobre xAI e BitLocker foi interrompida por sugestão do app Peloton com o texto “encontre uma aula de fitness”.
Outro usuário recebeu recomendação do Target para “comprar itens para casa e supermercado” durante conversas sobre temas não relacionados. As mensagens apareciam abaixo das respostas do ChatGPT, com links diretos para apps integrados à plataforma.
O sistema de integração de apps foi lançado pela OpenAI em outubro de 2025, permitindo que serviços como Spotify, Canva, Figma e Booking funcionassem dentro do ChatGPT através de um SDK específico. A implementação dessas integrações exige que os usuários mencionem o nome do app no início do prompt para ativar a funcionalidade.
Contudo, as mensagens promocionais apareciam de forma não solicitada, sugerindo apps que não tinham relação com o contexto da conversa. Essa desconexão entre a relevância esperada e a sugestão apresentada gerou a percepção de que eram anúncios.
O problema afetou usuários de planos pagos, incluindo assinantes Plus que pagam US$20 mensais e Pro que desembolsam US$ 00 por mês. A presença das mensagens em contas pagas intensificou a reação negativa, pois esses usuários esperam uma experiência premium sem interferências comerciais.
Aspectos técnicos: sugestão de app versus anúncio
A OpenAI insiste que as mensagens não eram anúncios porque não envolvem transação financeira entre a empresa e as marcas sugeridas. Daniel McAuley, engenheiro de dados da companhia, declarou no X que não há “componente financeiro” nas sugestões.
Segundo ele, as mensagens caracterizam tentativas de aumentar a descoberta orgânica de apps parceiros integrados à plataforma. Do ponto de vista técnico, a distinção se baseia no modelo de negócio subjacente.
Os anúncios envolvem pagamento direto de anunciantes para exibição de conteúdo promocional. As sugestões de apps no ChatGPT operariam através de algoritmo que identifica contextos potencialmente relevantes para recomendar integrações disponíveis.
Entretanto, a diferença entre os dois modelos se torna confusa quando analisada da perspectiva da experiência do usuário. Ambos interrompem o fluxo de conversa com conteúdo não solicitado que promove marcas específicas. A ausência de pagamento direto não altera a percepção de que o sistema está priorizando interesses comerciais sobre utilidade.
A falha de relevância agrava o problema técnico. McAuley reconheceu que “a falta de relevância torna a experiência ruim e confusa”. Isso indica que o algoritmo de sugestão não estava calibrado para identificar contextos apropriados.
Consequentemente, o resultado foram recomendações desconexas que pareciam inserções arbitrárias de conteúdo promocional. Além disso, o sistema não oferecia controles para que os usuários desativassem essas sugestões.
Chen prometeu que a empresa está desenvolvendo mecanismos para permitir que os usuários “reduzam ou desativem” as recomendações caso não as considerem úteis. A ausência desses controles desde o início demonstra que a funcionalidade foi lançada sem consideração para preferências individuais.
Impacto em usuários pagos e quebra de valor percebido
A presença de mensagens promocionais em planos pagos representa um potencial prejuízo para a estratégia de monetização da OpenAI. Os assinantes Plus e Pro pagam para ter acesso prioritário, maior capacidade de processamento e experiência sem interferências. A inserção de conteúdo promocional mina essa proposta de valor.
O modelo de assinaturas representa aproximadamente 75% do faturamento atual da OpenAI, segundo dados divulgados pelo CFO da empresa. Com projeção de alcançar 220 milhões de usuários pagos até 2030, a base de assinantes é fundamental para a sustentabilidade financeira da companhia.
Qualquer fator que comprometa a percepção de valor desses planos pode impactar as taxas de retenção e crescimento. Os usuários de planos premium desenvolvem expectativas específicas sobre a experiência que receberão.
A ausência de anúncios é componente implícito dessa expectativa, em especial em serviço que se posiciona como assistente para tarefas profissionais e pessoais. A quebra dessa expectativa gera desconfiança que pode ser difícil de reverter.
O episódio também levanta questões sobre a diferenciação entre planos gratuitos e pagos no futuro. Se a empresa implementar modelo de publicidade, a lógica sugeriria que anúncios apareceriam apenas para usuários não pagantes. Porém, o teste atual incluiu assinantes de todos os níveis, criando incerteza sobre como a monetização via publicidade seria estruturada.
Resposta da OpenAI e admissão de falha
Mark Chen publicou uma declaração no X reconhecendo que a empresa “falhou” na implementação das sugestões de apps. A admissão de erro é incomum para executivos de tecnologia, sugerindo que a reação interna à polêmica foi significativa para justificar resposta rápida e transparente.
Chen afirmou que “qualquer coisa que pareça um anúncio precisa ser tratada com cuidado” e que a OpenAI não atendeu a esse padrão. A declaração reconhece que a distinção técnica entre sugestão de app e anúncio é menos relevante do que a percepção do usuário sobre a natureza do conteúdo.
A empresa desativou esse tipo de sugestão enquanto trabalha em melhorias. Chen indicou que os esforços se concentram em dois aspectos: aumentar a precisão do algoritmo de recomendação para garantir relevância contextual e desenvolver controles que permitam aos usuários ajustar ou desativar as sugestões.
Paralelamente, Nick Turley, chefe de produto do ChatGPT, também se pronunciou afirmando que não há testes de publicidade ativos na plataforma. A declaração busca separar as sugestões de apps do conceito de anúncios, mas a necessidade de fazer essa distinção demonstra que a percepção dos usuários já associou as duas coisas.
A rapidez da resposta sugere que a empresa monitora o sentimento dos usuários e está disposta a recuar quando detecta risco à reputação da plataforma. No entanto, o dano à confiança já ocorreu, e o recuo não apaga o conhecimento de que a empresa está explorando formas de inserir conteúdo promocional nas conversas.
Dano à confiança e vantagem competitiva
A ausência de anúncios sempre foi vantagem competitiva do ChatGPT em relação a buscadores convencionais. Enquanto o Google integra publicidade em seu AI Mode, o ChatGPT mantinha experiência focada em fornecer informações úteis sem viés comercial aparente.
Essa diferença contribuiu para que 30% dos usuários desenvolvessem maior confiança no ChatGPT do que em mecanismos de busca convencionais. O episódio das mensagens promocionais compromete essa vantagem mesmo com o recuo.
Os usuários agora sabem que a empresa está testando formas de inserir conteúdo promocional, o que cria desconfiança sobre futuras recomendações. A questão deixa de ser se o ChatGPT tem anúncios e passa a ser quando eles serão implementados de forma definitiva.
A confiança em sistemas de IA conversacional depende da percepção de neutralidade nas respostas. Pesquisas indicam que 77% dos americanos utilizam o ChatGPT como mecanismo de busca, com 24% preferindo iniciar pesquisas na plataforma. Essa migração ocorreu porque os usuários valorizam respostas diretas sem necessidade de filtrar conteúdo promocional entre resultados orgânicos.
Consequentemente, a inserção de elementos promocionais mina essa percepção de neutralidade. Mesmo que tecnicamente não sejam anúncios pagos, as sugestões de apps criam dúvida sobre se as respostas do ChatGPT priorizam utilidade ou interesses comerciais. Essa dúvida é prejudicial para plataformas que dependem da confiança do usuário como ativo principal.
Ademais, o episódio oferece munição para competidores. O Google pode apontar que ambas as plataformas agora incluem elementos comerciais, reduzindo a diferenciação do ChatGPT. A Anthropic, com seu Claude, pode se posicionar como alternativa que mantém foco em utilidade sem pressões comerciais.
Contexto financeiro e pressão por monetização
A OpenAI enfrenta desafios financeiros apesar do crescimento. A empresa alcançou US$12 bilhões em faturamento recorrente anual e projeta atingir US$20 bilhões até o fim de 2025.
Porém, os custos operacionais são proporcionalmente altos, com aproximadamente US$7 bilhões anuais apenas em treinamento de modelos. A pressão por monetização se intensificou após a empresa levantar US$40 bilhões em março de 2025, alcançando avaliação de US$300 bilhões.
Os investidores esperam retornos compatíveis com essa avaliação, o que exige diversificação das fontes de faturamento além das assinaturas e APIs. A publicidade surge como caminho para aumentar as receitas.
Projeções internas da OpenAI, divulgadas pela imprensa especializada, indicam que anúncios poderiam gerar US$1 bilhão em 2026 e US$ 25 bilhões até 2029. Esses números são atraentes para a empresa que precisa justificar sua avaliação bilionária.
Entretanto, a estratégia de monetização via publicidade colide com o ativo mais valioso da plataforma: a confiança dos usuários. A OpenAI enfrenta dilema entre a pressão financeira de curto prazo e a preservação da vantagem competitiva de longo prazo. O episódio das mensagens promocionais demonstra a dificuldade de equilibrar esses interesses conflitantes.
A empresa também compete com modelos de negócio estabelecidos. O Google domina a publicidade em buscas há décadas e possui infraestrutura para segmentação e mensuração de anúncios. A OpenAI precisaria não apenas desenvolver capacidades técnicas equivalentes, mas também convencer anunciantes a investir em formato novo e não testado.
Conexão com “código vermelho” e pausa estratégica
O episódio das mensagens promocionais ocorreu simultaneamente à declaração de “código vermelho” interno pela OpenAI. Sam Altman, CEO da empresa, anunciou que todos os esforços seriam redirecionados para melhorar a qualidade, velocidade e confiabilidade do ChatGPT, pausando investimentos em áreas como saúde, compras e publicidade.
A coincidência não parece acidental. A empresa reconhece que está em posição defensiva, enfrentando avanços do Google Gemini e do Claude da Anthropic. Nesse contexto, não se pode permitir cometer erros que afastem usuários ou comprometam a percepção de qualidade da plataforma.
A pausa em publicidade sugere que a empresa reavaliou a urgência de diversificar fontes de faturamento. Preservar a base de usuários e a qualidade do produto principal tornou-se prioridade sobre a exploração de novos modelos de monetização.
Essa decisão indica maturidade estratégica, reconhecendo que o crescimento sustentável depende de fundação sólida. Porém, a pausa é provavelmente temporária. As pressões financeiras não desapareceram, e a empresa eventualmente precisará encontrar formas de aumentar o faturamento além de assinaturas.
O episódio das mensagens promocionais serve como aprendizado sobre como não implementar monetização, mas não elimina a necessidade de encontrar soluções viáveis. O “código vermelho” também reflete a mudança na dinâmica competitiva do mercado de IA.
A OpenAI não é mais líder incontestável, e precisa defender sua posição através de execução impecável. Experimentos que comprometem a experiência do usuário se tornaram luxo que a empresa não pode mais se permitir.
Implicações para o futuro da monetização
A OpenAI precisará encontrar formas de monetização que não comprometam a confiança dos usuários. O episódio das mensagens promocionais demonstra que inserções diretas de conteúdo comercial em conversas geram reação negativa imediata, mesmo quando tecnicamente não são anúncios pagos.
Os modelos alternativos de monetização incluem a expansão de planos empresariais, que já representam parcela do faturamento. A empresa também pode explorar licenciamento de tecnologia para parceiros específicos ou desenvolvimento de produtos verticalizados para indústrias que valorizam privacidade e ausência de publicidade.
A integração de apps, quando implementada corretamente, pode gerar valor sem comprometer a experiência. Se o sistema de recomendação for preciso para sugerir apenas apps relevantes ao contexto, os usuários podem perceber as sugestões como úteis em vez de intrusivas. Contudo, alcançar esse nível de precisão exige investimento em algoritmos de relevância.
Além disso, a empresa pode considerar modelo freemium mais agressivo, onde funcionalidades avançadas ficam restritas a planos pagos, enquanto a versão gratuita oferece capacidades básicas sem publicidade. Essa abordagem preserva a experiência para usuários dispostos a pagar enquanto mantém acesso amplo para atrair novos usuários.
O desafio fundamental permanece: como monetizar uma plataforma conversacional sem destruir a confiança que a tornou valiosa. A resposta a essa questão definirá não apenas o futuro da OpenAI, mas também o direcionamento do mercado de IA conversacional como um todo.